{Resenha} Uma Bondade Complicada



Título: Uma Bondade Complicada
Autor: Miriam Toews
Editora: Relume Dumará
Tradução: Andréa Rocha
ISBN: 8573164298
Número de Páginas: 220
Ano: 2005
Classificação: 
Nomi, uma menina de 16 anos, de uma comunidade menonita, é abandonada pela irmã e pela mãe da noite para o dia, o que torna sua vida na cidade onde vive insuportável, ao lado de jovens rebeldes e um pai silencioso. Porém, está decidida a se libertar – só não sabe como!
Uma leitura ao mesmo tempo comovente e engraçada sobre a busca de uma adolescente dos anos 70.



Não leia esta história se você estiver deprimido ou triste, angustiado ou algo do gênero. Você cortará os pulsos! Verdade. Por outro lado, se, e somente se, você já estiver no fundo do poço, perceberá que a única saída é subir, escalar as paredes de volta ou se deixar boiar enquanto o poço enche novamente – ok esqueça esta alternativa, pois pode demorar muito e tudo que sobrará até a água atingir a abertura do poço serão seus ossos! O importante é que ao fazer esta leitura e condenar – como eu! - a nossa anti-heroína, você estará automaticamente se livrando das prisões mentais que criamos ao nosso redor.

O livro narra a história de Nomi Nickel, uma jovem de 16 anos que vive em uma cidade canadense dominada por fundamentalistas cristãos. Na visão de Nomi, aquela cidade é o típico lugar onde as pessoas escondem suas frustrações embaixo do tapete e acreditam estar fazendo alguma coisa boa. Procuram, apontam e condenam os erros dos outros na tentativa desesperada de que ninguém encontre os seus. O comportamento radical abre precedente para os dois extremos: o do bom e do mal comportamento. Os jovens como Nomi vivem a fachada de uma vida “exemplar”, mas se esbaldam com drogas e festas de fundo de quintal. Cumprem seus períodos escolares, mas não há perspectiva de futuro promissor – ou, no caso, a desanimadora perspectiva de nascer, crescer, casar procriar e morrer. Viver é consequência, uma consequência ruim até, pois pelos preceitos daquela religião, a felicidade não deveria ser incentivada – ao menos foi o que eu entendi.

A esta altura você se pergunta: e porque ela não vai embora deste lugar? Porque fizeram isto antes dela. Sua mãe e sua irmã mais velha foram embora, deixando ela e o pai sozinhos a enfrentar a “piedade” dos cidadãos locais. Não há muros, não há amarras, mas ela se prende ao pai para não ir embora, com medo de ser egoísta como a mãe e a irmã. Há um mundo de poucas palavras entre eles, e um medo implícito em ambos de que Nomi faça como as outras. Aliás, desde o início o leitor já sabe que mãe e irmã abandonam a família – inclusive está na sinopse do livro – e tem uma breve noção do porquê. Mas à medida que a história vai avançando, vamos nos aprofundando nos motivos de cada um, mesmo que somente sob a ótica de Nomi, e compreendendo as amarras que a prendem. Pense em crescer achando que uma coisa é errada e de repente, dentro de sua própria casa, o certo e o errado se confrontam, e o errado vence: como fica a sua mente?

Há uma cena particularmente interessante em que, após ser despertada mais uma vez pelos gritos da filha que chorava pela partida da irmã, a mãe de Nomi a pega pela mão e a leva na casa do pastor – que também é seu irmão. “Peça perdão a ela”, a mãe grita “Peça perdão à ela e diga que sente muito”. O homem está exasperado por ter acordado de madrugada e a Nomi, ainda uma criança, não entende muito bem o que a mãe quer dizer com tudo aquilo. Mas a criança chorava todas as noites, não só porque a irmã foi embora, mas principalmente porque em sua cabecinha manipulada a irmã estaria a caminho ou já no inferno e ela não queria este destino para a amada irmã – ninguém quer! E a mãe sabia disso, e mais, sabia que sua filha mais nova estava sofrendo por uma coisa que ninguém tinha de fato certeza, sofrendo porque estava sendo criada sob o regime de uma fé cega que não poderia ser questionada, sem que houvesse condenação. E o pior, ela mesma, a mãe, começava a se questionar. O pedido de perdão do pastor era um jeito de dizer para a filha “Calma criança, não é tão radical quanto parece”.

E seis meses depois da partida filha, a mãe de Nomi também vai embora, e só então esta passa a questionar um pouco mais as afirmativas ao seu redor, “a bondade complicada” que dá nome à versão em português deste livro.

O livro é todo em primeira pessoa e hora se confunde como um diário de pensamentos, hora como um evento cotidiano. Nomi é uma adolescente e sua escrita é confusa e isso é chato inicialmente na história mas se revela uma tacada perfeita. Em uma frase a autora exprime toda uma ação deixando à nossa imaginação os detalhes. Por exemplo, ao invés de descrever uma cena em que põe fogo em um carro, como e porque aquele ato foi feito, ela simplesmente escreve “lavei as mãos que ainda cheiravam à gasolina que joguei no carro dele antes de queima-lo” ou simplesmente “podia sentir daqui o cheiro da fumaça do carro que incendiei antes de voltar para casa”. E corta para outra cena.

Relembrando, não leia este livro se estiver se sentindo para baixo; é um livro de uma narrativa infeliz. Mas com paciência e persistência, com o auxílio da psicologia reversa pode-se tirar dele lições e buscar soluções até para os nossos problemas. Já dizia um conto em que um jovem procurava um sábio para auxiliá-lo a resolver os seus problemas dizendo que a vida não seguia adiante por causa deles. O sábio de agarra a uma pilastra dizendo que não conseguia fazer nada porque aquela pilastra não deixava. O jovem simplesmente diz "solte a pilastra". "Taí a sua resposta", diz o velho sábio.

Às vezes não são as coisas que nos prendem: somos nós que nos aprisionamos a elas.

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